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A Lei Complementar 147, que expandiu o regime simplificado aos prestadores de serviços, completa uma década. Em meio às comemorações, uma preocupação: a reforma tributária.
Por Karina Lignelli
Em 07 de agosto de 2014, a Lei Complementar 147 trouxe novidades positivas para os pequenos negócios optantes do Simples Nacional. Conhecida popularmente como lei de “universalização” do Simples, um dos seus principais pontos foi estender esse regime tributário também aos prestadores de serviços, como advogados, fisioterapeutas, médicos, auditores ou leiloeiros.
Além de autorizar limite extra para exportação de Serviços e contratação de MEIs por pessoa jurídica, a LC 147 também diminuiu a burocracia – como a baixa automática de empresas, mesmo com pendências ou débitos tributários.
Essa lei possibilitou a entrada no Simples “de todos aqueles enquadrados no tamanho do Simples”, diz Guilherme Afif Domingos, atual secretário de governo do estado de São Paulo e um dos arquitetos do Simples Nacional. Espécie de “garoto-propaganda” do sistema, também criou a figura jurídica do MEI.
“Tem gente que gosta de fazer operação desrespeitando o que a lei determina, mas o Simples dá liberdade para quem quer empreender com menos burocracia e imposto moderado”, disse, no Instagram, para lembrar os 10 anos da universalização do regime simplificado.
Mas chegar a essa inovação dependeu de muito esforço por parte dos defensores desse sistema tributário. “Foi uma corrida de fundo, não de 100 metros rasos: foi uma maratona”, diz Afif.
Maratona que começou em 1979, no primeiro Congresso Brasileiro da Micro e Pequena Empresa, realizado na Associação Comercial de São Paulo (ACSP), entidade a qual Afif é ligado desde 1976 e que presidiu por duas vezes.
“Mesmo como presidente do Banco de Desenvolvimento de São Paulo e secretário da Agricultura paulistas, continuei na luta. Até que, na ACSP, conquistamos a primeira vitória, que foi o Estatuto da Micro e Pequena Empresa”. O estatuto, que mobilizou o Brasil inteiro, foi aprovado pelo Congresso Nacional e se tornou embrião do Simples Nacional.
Como a Constituição Federal não previa um tratamento diferenciado para os pequenos negócios, Afif recorda que precisou de apoio de seus pares – enquanto deputado constituinte -, para incluir nela o artigo 179, de sua autoria, prevendo a diferenciação, em 1988. O Simples Nacional foi incluso neste mesmo artigo mais tarde, em 1996.
Daí para frente, recorda o atual secretário paulista, houve outra imensa luta envolvendo a Lei Geral da Micro e Pequena Empresa, aprovada em 2006, que obrigou estados e municípios a também tratarem os pequenos negócios de maneira diferenciada. “Foi quando surgiu o Simples robustecido”.
Em 2008, Afif idealizou a figura do Microempreendedor Individual (MEI), outra inovação no sistema simplificado, para formalizar quem empreendia informalmente. Anos mais tarde, à frente do Ministério da Micro e Pequena Empresa, elaborou, junto com sua equipe, a proposta de universalização do Simples, uma ideia que acaba de completar 10 anos.
Mais uma vez, encontrou resistência, mas conseguiu a aprovação da LC 147. “Antes, escolher qual atividade faria parte do Simples ficava a cargo da burocracia, que sempre trabalhou contra o Simples”, afirma, fazendo referência indireta à Receita Federal, uma das principais detratoras do sistema em diversas ocasiões.
“Quem é contra diz que o Simples é ‘renúncia fiscal’, que a perda de arrecadação é astronômica. É uma bobagem total. Graças a essa luta de anos que conseguimos que os pequenos sobrevivessem ao massacre burocrático e tributário.”
CRESCER SEM MEDO: INOVAÇÃO QUE PRECISA DE ATUALIZAÇÃO
Muita coisa aconteceu na lei antes de chegar à universalização. Mas esse passo, segundo Afif, mostrou que o que importa é o tamanho da empresa, não o tipo de atividade (antes da LC 147, só comércio e indústria podiam se enquadrar no Simples). “Setores que estavam fora, acabaram entrando para o sistema, e isso podemos considerar uma grande evolução.”
Na esteira da LC 147/2014, a LC 153/2016, mais conhecida como projeto “Crescer sem Medo”, também trouxe, além de incentivos a investimentos-anjo para MPEs, redução de faixas de tributação (de 20 para 6) e até participação de MEIs em licitações. E um destaque: a saída gradual do Simples para o Lucro Presumido com tributação progressiva.
Essa “rampa de acesso”, como denominou Afif na época, consiste em um sistema progressivo (e considerado mais seguro) de tributação, com o objetivo de não inviabilizar os pequenos negócios com o aumento repentino da carga. Juntas, as duas LCs foram responsáveis por fazer o Simples e a Lei Geral da Micro e Pequena Empresa avançarem.
“O Crescer sem Medo foi outro dispositivo importante para manter o crescimento dentro da faixa, porque quando a empresa chegava em um limite de faturamento, já pulava para outro que tributava bem mais: muitas até evitavam vender para não acumular faturamento, mudar de faixa, e ter de pagar mais imposto”, lembra.
Manter essas conquistas, diz Afif, não tem sido nem um pouco simples. Além de toda a luta para colocar o tratamento diferenciado para a pequena empresa na Constituição, rebater críticas e provar com argumentos que o regime não representa renúncia fiscal, o congelamento dos limites do Simples, desde 2018, tem afetado negativamente o Crescer sem Medo.
Na época, conta, esse ponto ficou bem resolvido. Mas a história do limite hoje é que, como ele está congelado, muitos pequenos negócios não conseguem se manter na faixa. Ou continuam com medo de ultrapassar, diz Afif.
A burocracia fiscal detesta o Simples, afirma Afif. “Sempre apontam perdas fiscais, mas nunca apresentam o valor real das tais perdas”, diz. “Tem muita empresa [grande] que recebe uma série de isenções para pagar menos imposto. Se for fazer o cálculo, vai ver que os pequenos pagam um volume grande [de impostos]. É conversa fiada que eles não pagam imposto, que têm renúncia fiscal. Se não fosse o Simples, eles já teriam sido consumidos.”
SIMPLES x REFORMA TRIBUTÁRIA: FUTURO AMEAÇADO?
Criado para simplificar a burocracia e reduzir a carga tributária, o Simples oferece às empresas enquadradas rotinas e obrigações fiscais facilitadas, e apenas uma guia de imposto para pagar (DAS). De franquias a advogados, de pequenos fabricantes a médicos, mais de 21 milhões de empreendedores eram optantes pelo sistema em 2023, segundo o Sebrae.
Esse número, que aumentou quase 10 vezes desde que a Lei Geral foi aprovada, em 2006, confirma que as empresas que optam sobrevivem aos primeiros dois anos de existência (83%), em comparação às que não optam (38%).
Mas, a despeito de sua abrangência, os pequenos negócios enquadrados no sistema enfrentam outro desafio. E esse bem mais complexo: a reforma tributária, aprovada com inconsistências ou pontos polêmicos para quem é optante do Simples.
Entre eles, a tributação de micro e pequenas empresas também pelo imposto único (IVA), além da restrição de acesso a créditos de PIS/Cofins com origem nos tributos pagos – a tal “não-cumulatividade”, prometida só para as demais.
Em resumo, com a reforma tributária, os benefícios do Simples acabam se anulando, e isso afeta a competitividade das micro e pequenas empresas, explica Marcel Solimeo, economista-chefe da ACSP. “Para competir com as maiores, na prática elas têm de sair do Simples. E para efeito do IVA, pagar como uma empresa normal para gerar crédito para clientes. Quem compra do concorrente maior, fora do Simples, recebe crédito no valor cheio, mas se comprar de quem está nele, recebe um valor bem pequeno.”
O economista também menciona a dificuldade em mexer no texto da emenda constitucional da reforma para alterar esses pontos, deixando o Simples mais complexo. “O sistema não acaba, pois é um preceito da Constituição. Mas o que a gente tem debatido é se essa nova sistemática não fere o princípio constitucional, por eliminar ou reduzir o benefício do Simples”, diz Solimeo.
Ao avaliar a reforma tributária, Afif afirma que prefere ser franco, e espera que não se concretize. “Nós já temos um sistema complexo, e o Simples existe porque o resto é complexo. E vai ficar ainda mais complexo com a reforma.”
Ele lembra ainda do período em que será necessário conviver com as duas legislações – a atual e a do imposto único -, por um bom tempo até finalizar a transição. “Imagine como vai ser a interpretação burocrática dessa ideia de transição de um imposto por outro, empresas convivendo no regime antigo e tendo que contribuir no novo?”, questiona.
Para Afif, essa reforma tributária é boa só para quem “encomendou” o projeto ao autor da legislação. Mas para o restante da sociedade, não. “Nunca vi uma reforma onde o contribuinte não é ouvido e os representantes do povo votaram sem saber o que votaram. Vai ser um massacre geral se continuar como está, por isso nossa luta continua”, sinaliza.
Ao longo desse período, o Diário do Comércio publicou duas cartilhas sobre o Simples para facilitar a compreensão dos empreendedores sobre o tema.
Fonte: Diário do Comércio
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